todos os fatos, novidades e destemperamentos que eu queria comentar com mais de 5 pessoas mas tive preguiça de ligar.

29.12.10

sai!

Ela chegou, a preguiça, no fim da tarde de novembro, rodou a maçaneta sem pedir licença e sem fazer barulho.
Não se anunciou mas teve a gentileza de não abrir a porta de uma vez.
Entreaberta a porta, não viu ninguém nem ninguém a viu, se sentiu convidada a entrar.
Sentou, tirou o sapato, apoiou o pé na mesa de centro, pegou uma revista que estava ali jogada e começou a folhear.

Não vou mentir, eu reparei nela antes ali do momento da maçaneta.
Uma presença confortável, morna, aconchegante. Deixei ela ficar, uma coisinha simpática.
Ofereci um café, um suco, fiz cafuné, bolinho, me deixei balançar na rede, me deixei.
E ela ficou.
Nas horas de calor dá uma sumida, no frio me chama pra conversar e quando chove à noite dorme comigo.

Ando tensa.
Até o fim dessa semana ela tem que ir embora, nada pessoal, sem ofensas.
Já mudei a trilha sonora, alterno músicas digestivas e skas cubanos.
Empinei a vassoura atrás da porta e cortei os suprimentos.
Sempre que possível e quando os mosquitos deixam, a janela fica aberta pra dar a ideia da fuga.
Tudo assim, bem suave e sem mágoas.
Preguiça enfezada comigo em 2011, eu hein, tô fora.

19.11.10

arrupio

- Você já reparou que o toque não gasta?
- Hã?
- Assim, não importa quantas vezes eu passe a mão no teu braço, o tato não cansa, você vai sempre sentir. Brinquedo infinito.
- Pois é. mas o tato, mesmo sendo mágico como todos os outros sentidos, é cotidiano, é normal. O toque não cansa do mesmo jeito que você não cansa de ver, nem cansa de ser capaz de ouvir uma música. Já o arrepio, esse que consegue chegar na espinha e transforma diário em especial não tem hora pra acontecer, pra começar nem pra acabar. É extremamente temperamental. O toque não gasta, o arrepio sim.
- E quanto tempo dura teu arrepio?
- Vai saber..

Freou a mão, olhou pros dedos bem de perto, pra pele. Procurou nos vincos das digitais de onde sai e por onde entra isso. Nada. Sem faísca nem fio, nem nada que fosse indicar qual era esse prazo.

8.11.10

Enquanto isso na mesa 7



Na mesa 05 pediram uma salada e um suco. Na mesa 05 pediram duas águas. Na mesa 05 pediram um risoto com frango grelhado. Na mesa 05 pediram sanduíche de filé com emental. Na mesa 05 passaram exatos 60 casais diferentes que nem perceberam o que acontecia na mesa 07.

Ali, 72 horas depois ela já confundia seu braço com o da poltrona e não sabia mais se era o volume do seu cabelo ou a almofada que afofava sua cabeça pendente. A mesinha redonda amontoava algumas xícaras de café, papeis com rascunhos e ideias, bitucas, e ainda dava apoio para os pés entediados. A mesinha do restaurante-café virou uma mistura de criado mudo, escrivaninha e mesa de café da manhã. A fumaça rodeava e ninguém mais se espantava com aquelas presenças: o garçom já estava tão íntimo e familiar que até palpitava nos assuntos como um velho amigo, e atendia pelo apelido.

- Ô, Jô! (A abreviação de Jocelino era confortável e bem vinda.)
- Ôpa, nem precisa dizer, mais dois expressos.

E o ritual se repetia todos os anos pra celebrar o ritmo estranho daquela amizade. Os meses sem contato eram repostos por 72 horas seguidas em um café desses 24 horas. Sempre na mesma mesa, com a mesma poltrona, mesmas dores nas costas e um sentimento de "pra que a gente continua fazendo isso?".
Era necessário. Era como dar corda na cabeça, era desvirar o ponto das linhas do pensamento, desconstruir ideias e rir alto um riso economizado especialmente praquele tipo de ocasião.

8.10.10

de 3

Na mesa bamba a gente coloca um calço, manda serrar a perna, é um problema.
A cadeira que rebola a gente ou fica irritado ou rebola junto, coloca um adesivinho que descola rápido ou um toquinho de madeira.

Tudo que tem 4 apoios está sujeito a essa condição de tremeliques e desbalanços, conforme manda a física mecânica, que diz algo parecido com "3 pontos de apoio é o mínimo necessário para que se equilibre um corpo suspenso com firmeza gravitacional".

As fotos não podem ficar tremidas, daí o tripé.
O projeto não pode ficar borrado, daí o cavalete.

Ficar de 4.
Estar de quatro por alguém, não no sentido sexual que segue outra metodologia e predileções, respeita essa mesma premissa. Fique de quatro, apoie todos os seus eixos na pessoa-dupla e pronto, estará sujeito a desbalanços e a calços constantes. Cada calço é um paliativo que, como no pé da mesa, com o tempo irrita, e se torna maior do que a própria mesa ou sua função.

Baseada em newton e suas gravidades, e em algum moderno psicólogo comportamental do desapego, tento ficar nos 4 apoios só nos exercícios pra coxa da academia e no ambiente 4 paredes. Muito mais agradável. No emocional, respeitar a física e é só tripé. Muito mias sólido.

22.9.10

il volcani

- !Niña, mira! Niña!

Niña abriu um olho de cada vez, avaliando o benefício desse custo.
O olho esquerdo foi mais curioso pra mirar o que se pasava e conseguiu ficar abierto.
O céu tava absurdamente escuro, estrelado, parece que no hemisfério sul e no inverno tem mais estrela no céu.
No meio do céu tinha uma mancha vermelha. Um pássaro de fuego, tipo desses que moram nas tatuagens das batatas dos caras.
Se não tivesse parado, certeza que seria um ovni.

- El volcán!
- Está despierto?
- Puéeees que el volcán no se acuesta nunca.

O centro da terra tão perto, um vermelho tão chocante no céu e tanta grandeza la pusieron emocionada.
Agradeceu a oportunidade, pediu sua boa vontade para que a pudesse receber no dia seguinte e voltou a fechar os ojos.

19.8.10

boa noite


o frio na barriga passou pra perna, e de repente era o pé que estava gelado.
a mão buscava o cobertor, que se enrolava no corpo e tentava, mas não conseguia.
a perna teimosa encostava na parede, e gelada, trazia notícias do mundo exterior:
continuava noite, continuava inverno.
o frio na cabeça descia pela goela, com goles de saliva e chá, e chegava de escorregador na barriga.
o olho abre, fecha, fecha mais forte, abre e coça.
o pensamento vai ali, volta, se enrola no cobertor e no cabelo, e escorrega pra outro lugar feito sabonete molhado.
o colchão faz barulho, a respiração fala, barulho de relógio, do caminhão de lixo.
longe, longe..
a insônia.

9.8.10

gaveteiro

Todo mundo já ouviu uma aula sobre memória ou concentração que começa com a comparação besta da mente com um gaveteiro. Separam-se as gavetas por assuntos, pela facilidade de acesso, pela relevância, ou qualquer outra categoria que pareça pertinente, numa tentativa de fazer uma arquivologia mental.

Pois que tenho achado meu armário uma representação bastante fidedigna da minha cabeça. Qualquer coisa em qualquer gaveta, peças fora, peças dentro, peças no chão, sem qualquer consideração organizativa ou cronológica. A regra é fechar a porta e não deixar escapar nenhum braço de camisa, que tudo bem, estamos funcionando.

As gavetas têm tamanhos diferentes, e são organizadas por cores.
Mas tem sonho que parece que aconteceu, tem gente que some, tem nome que vira outro, tem letra que se confunde e tem prioridades que se ultrapassam sozinhas.

Os cabides estão em ton sur ton.
Mas tem evento que parece que não fui, tem critério que se transforma, tem frase que fica, tem cheiro que não passa e tem pensamento que vira texto.

Sem nem pensar em dobrar as peças.

6.8.10

tesourinha


Quando o piloto avisa "senhores passageiros, voltem pros seus assentos e afivelem os cintos, estamos passando por uma zona de instabilidade", aposto que todo mundo segura o braço da cadeira ou do colega do lado com força. E pensa alguma reza e "o que eu queria que tivesse comigo se o avião caísse" e enrola a alça da bolsa no braço. Eu sempre penso nos óculos, uma náufraga míope de lente não rende muito into the wild.

Os náufragos também pensaram na coisa errada.

Nadia pensou na aspirina, mas esqueceu da tesourinha.
Nadia estava muito feliz porque tinha alongado os cílios para o casamento de sua prima, em Lisboa, motivo da sua presença no avião além mar. O procedimento era caríssimo e inovadorérrimo: implantam-se fios da base da nuca nas pálpebras pra dar uma engrossada na piscada. Nádia esqueceu da tesourinha e teve que aprumar os cilios crescidos pra trás da orelha, nada agradável. "Com o tempo vai dar pra fazer uma trança" - pensou.

Antônio pensou nas sementes raríssimas de batata brava de Goiás que levava na bagagem de mão, mas esqueceu da tesourinha. Antônio ia pra Espanha plantá-las no terroir de seu cunhado. Aquela ilhota nunca comeu cozidos tão saborosos, apesar da dificuldade com a abertura dos pacotes lacrados.

19.7.10

decidindo como um libriano - constipação decisória

1. faça uma opção.
2. quando estiver 90% decidido, encontre outra opção.
3. encontrada outra, descubra que existem outras cem.
4. desista da primeira, com toda certeza.
5. faça listas de prós e contras.
6. refute cada pró e contra de cada item.
7. esbraveje pelo excesso de opções do mundo.
8. pense em decidir depois.
9. pense em deixar que se decida sozinho.
10. pense que se todos são bons qualquer escolha vai ser interessante.
11. encontre alguém e peça uma opinião.
12. discorde da opinião, e contra-argumente.
13. vença o argumento.
14. discorde de si mesmo e escolha a opção originalmente dada pelo amigo.
15. repita "esse ou esse?" tantas vezes forem necessárias e enquanto não se sentir ridículo.
16. jogue moedas.
17. escreva papéis e sorteie.
18. acabe optando pela primeira opção, que por ser a primeira, logicamente é a mais sensata.
19. feita a escolha, pense como as outras poderiam ter sido boas.
20. cansativo.

Jamais diga que um libriano escolheu sem pensar. Chega ofende.

5.7.10

sinal verde

Ele me ultrapassou tão rápido que do carro inteiro eu só percebi a cor.
E de tão distraída que eu estava tentando lembrar a marca do carro, e pensando se a fração de segundo do tom de vermelho correspondia ao tamanho do uno que eu esperava, esqueci que o tinha pedido pra me esperar porque não sabia nem como chegar lá.
Antes de ficar indignada com tamanha falta de cordialidade, várias coisas me desocorreram.
Esqueci que descendo na banguela a gente perde controle mais fácil do que se tiver no engate da 5a, e que a economia da gasolina não compensa o coração que chega na boca quando o pneu derrapa.
Esqueci que quando a gente olha demais pro céu enquanto dirige acaba pegando as tartarugas da pista e esqueci que o retorno mais próximo do que a gente perde por distração é sempre muito distante de onde a gente tá.
O que lembrei foi da conta da física que eu não aprendi direito no grau, da velocidade da energia potencial das unidades de medida e das letras gregas.
E continuava tão entretida com isso tudo que já ia esquecendo que tinha um destino certo naquele dia. Foi quando vi que o uno, o vermelho e a cor da fração de carro que quase me rodopiaram na descida estavam ali no próximo sinal verde. Reduzindo, parando e sorrindo pelo retrovisor.

8.6.10

um pouco de discovery channel


Em Cabo Verde maio é época de grandes chuvas, quase tormentas, que ameaçam a levantar tudo, inclusive a ilha, naquela pequena ilha.

Essa é a mesma época de frutificação dos côtos, fruto dos coteiros. Os côtos são frutos grandes, verdes, casca grossa e polpa branca, adocicada e sem fiapos, que geralmente caem no mar com as chuvas de maio.

Siri-açu é uma espécie aquática endêmica de Cabo Verde. De cada 100 siris-açu, um nasce com uma pinça maior que a outra, o que os causa certo constrangimento em seu núcleo social (proporcionalmente, seria como se nascêssemos com um braço tão grande que se arrastaria no chão).

Pois bem, curiosamente, siris-açu se alimentam de vegetais, especificamente côtos. Assim, em maio, quem visita Cabo Verde pode observar um fenômeno digno de discovery channel: siris-açu formando montanhas enormes deles mesmos, buscando, na superfície, pescar ao contrário os côtos que a chuva deixou boiando por ali.

Moral da história: parece que a gente está onde deveria mesmo.

26.5.10

preferência, de preferir

Pouca gente sabe a verdade sobre as filas preferenciais.
Isso de que elas servem pra poupar as grávidas, recém-mães e velhinhos de sofrer menos desgaste nessa fase já tão desgastada da vida é verdade, mas é balela.
Os mercados e bancos, agora declaradamente comprometidos com a causa social e a sustentabilidade social e a responsabilidade mundial, e todas essas palavras enormes da verde vida moderna, criaram esse mecanismo grátis para aproximação social e revitalização das famílias.
Os frequentadores ignoram essa estratégia, mas entendem que pra ficar na fila devem representar da melhor forma possível seu papel de desabilitado, pra não levantar suspeitas nos outros clientes de cara feia nas outras filas enormes.
Assim, as grávidas seguram uma mão no marido e outra na cintura, as recém-mães se apertam com suas recém-crias e os filhos dos velhinhos fazem questão de apoiar seu andar.
E por mais que não prefiram, durante esses minutos de coesão preferencial forçada, as pessoas se tocam, se olham e se suportam. Ainda que a cabeça esteja na cesta de compras do vizinho, querendo ir embora logo, logo...

7.5.10

estudo sobre o calendário

segunda-feira, dia da lua.
dureza. o dia mais lento da semana, feito pra se comentar sobre o pânico e futebol. e começar dieta. como enquanto metade dos times ganha, a outra perde; é um dia de mau humor pra metade das pessoas que torcem, invariavelmente, o que torna esse dia ainda mais desagradável. também serve pra aprender a valorizar o domingo, que embora você tenha passado a véspera reclamando dele, é muito melhor que segunda.

terça-feira
pensa-se: é, o pior já passou. realmente, a semana começou. devo começar a funcionar também.

quarta-feira
pra alguns tem futebol. pra outros é quarta feira.

quinta-feira
é o auge. temos a somatória do pique da metade da semana que já passou com a previsão do fim de semana que tá chegando. vale a máxima "quinta é quase sexta".

sexta-feira
sem dúvida o dia mais bonito da semana. uma aura de brilho toma conta da cidade, as pessoas dirigem sorrindo. Contudo a simpatia é só aparente, não é costume dar passagem pra não perder tempo pra ir pra farra.

sábado
o dia que tem que durar 48 horas, vc tem que segurar a ressaca de sexta, ir ao mercado, almoçar com alguém, dormir, fazer o que não deu tempo pra fazer durante a semana, ir no aniversário de alguém, curtir umas horas de preguiça, arrumar qualquer coisa e sair de novo. ufa. quase não cabe.

domingo, dia do sol.
nada se mexe, ninguém se cansa demais, o "acordar" dura 2 horas, o "almoçar" dura 3, a sesta mais umas 2 e é tudo devagar e incrível. até o ar fica mais parado enquanto se espera começar alguma sessão de cinema.

26.4.10

toda lei tem uma lacuna

Onofre mora num apartamento do primeiro andar. Onofre morre de calor às tardes, porque além de seu apartamento ter carpete marrom escuro, ele é voltado para o poente. Todo dia, Onofre assiste à novela das 6 pingando de suor na sua poltrona de couro descascado. Pregando e sendo pregado.

E calor é o que mais incomoda Onofre nessa vida, mais do que o choro do bebê da vizinha do 103 ou o cheiro do xixi do gato do vizinho do 202. Ele já estava muito velho, não queria mais essa simbiose com a poltrona e fez um fundo para comprar um ar-condicionado à vista, planejado para 8 meses depois.

Aos 7 meses e meio, Onofre foi infomado que as novas diretrizes prediais não permitiriam instalação de ar-condicionado externo porque "esses ar-condicionados horrorosos afetam a fachada harmônica e orgânica do prédio Villa Verde, o senhor pode optar por um ar interno. Ou deixar a geladeira aberta." Onofre estava puto da vida.

Firmino, parceiro de porrinha de Onofre, tem uma empilhadeira que aluga pra hipermercados. Emprestável para amigos de longas eras, claro.
Onofre tem um opala 85 completo, com ar. Não hesitou em aceitar o empréstimo. Alinhou a janela do opala à janela da sua morada, ligou a chave e assisitiu a novela no fresco. Afinal, as diretrizes prediais impediam a instalação de ar-condicionado fixo, mas nada dizia sobre a instalação de auto-móveis. Onofre não estava mais puto da vida.

Prédio Villa Verde virou parada turística obrigatória na cidade, todo motorista de táxi indica o apartamento 101 e conta alguma lorota, fenômeno igual àquele do doido que fez uma ilha de garrafa pet no rio de janeiro.

7.4.10

fisiologias e compulsões

Perdoem-me os psicólogos e médicos e todos que passam a vida estudando e criando dúvidas e chegando à conclusões. Mas no meu entendimento, a relação corpo-mente acontece da seguinte forma, muito simples: o corpo faz demandas, que são rapidamente avaliadas pelo cérebro e se for o caso, o corpo pode atendê-las e todos terminam felizes. Basicamentee o corpo é um pidão e o cérebro um regulão, mantidas as condições normais de temperatura e ócio, é isso. Relativamente simples.

Quando acontece de o cérebro perder o respeito com o corpo por uma razão qualquer, ele passa a ser pulado nesse processo decisório. Quando o corpo fala diretamente com o corpo e eles se resolvem sozinhos, vualá, temos as compulsões.

O estômago pede comidagorduracomidaaçúcar insistentemente e pá, a boca e as mãos obedecem.

O pulmão pede cigarrofumaçacigarrofumaça e prontamente o indivíduo imbica um cigarro, sem menor avaliação moral e/ou racional.

Pode acontecer também do cérebro perder o respeito consigo mesmo, e passar a demandar coisas estranhas e aparentemente sem finalidade de satisfação química. Como exemplo tem o roer de unhas e o estalar de dedos.

Enquanto invento essa história, me pergunto por que diabos o meu cérebro não veta meu estômago, que insiste em pedir pra minha mão o vigésimo pedaço de queijo e é atendido, em total desprezo à sua capacidade física e noção de suficiência.

19.3.10

Como assustar um pretendente, parte 1.

Ele sugere um café. Ela sugere um cinema. Ele passa os 45 minutos do café falando da ex-atual-namorada que mora em bh. Ela ouve, e entre un-rums contrariados, demonstra apoio a essa coisa a distância e desiste temporariamente do investimento. Eles se encaminham pro cinema, ela pensando nisso da fidelidade do colega e ele achando que ela tava meio calada. O filme é bom. O filme acontece por 1 hora e 20 minutos sem intercorrências. Ele comenta que o ar condicioando tá muito forte. Ela mal ouve e concorda: un-rum. Ele não se dá por satisfeito e ensaia um abraço. Ela não hesita em encolher o ombro e entregar a sua bolsa pra ele. Ele ouve "Ah, vc tá com frio né? Pode embrulhar os braços com a minha bolsa. O pano é quentinho." e se assusta. Ela acha um pouco estranho isso tudo e continua vendo o filme, que era bom. Eles voltam calados pra casa. Nem um comentário sobre a história.

10.3.10

divórcio


Luzia, arquiteta recém divorciada de 41 anos, sempre achou esses processos judiciais desnecessários e acreditava na decência dos que decidem pacificamente seguir seus rumos. Andava no shopping de mãos dadas com João Pedro, seu filho de 6 anos recém saído das férias, minutos antes de decidir que tinha que pedir a guarda permanente do filho:

- E como foi o fim de semana com o papai, João Pedro?
- Ah, foi bom. A gente foi no teatro de tarde, era uma a história de uns animais e tinha um palhaço na porta e...
- E como foi de noite?
- Ah, foi bom, a gente jantou pizza e depois teve sorvete e...
- E onde foi que vocês dormiram?
- Ué, na casa do papai. Ele comprou pra mim um lençol novo com desenho de campo de futebol e uma bola e ..
- E que mais? Tinha mais alguém lá com vocês?
- Ué, tinha. A tia paula e a tia bete tavam lá, aí depois da pizza...
- Tia paula? Quem é essa? A irmã do seu pai, sua tia de verdade, se chama sueli, vc sabe.
- Ué, mas tia é quem é adulto e brinca.
- Tá, e quem são essas tias?
- Ué, sei lá, mas acho que eram do trabalho pq chamavam ele de chefe. A gente brincou de fantasias.
- Hã?
- Ah, mãe. Elas tavam de médica e faxineira, aí eu ia sair de fantasma mas o papai falou que era melhor ir pro quarto dormir pq já tava tarde. Aí eu fui. E não pude brincar com eles.
- ...

6.3.10

amanhã eu nado - II

Entre os 5 e 7 anos, depois de serem alfabetizadas, as crianças humanas escolhem o seu pecado particular, aquele que vai atormentá-las e modelar seu comportamento até o fim de seus dias. A partir daí, alguns moleques passam a roubar o lanche dos colegas, uns meninos bulinam as amiguinhas, outros brigam e outros dormem.

Ah, a preguiça.

A preguiça genuína, aquela que a gente escolhe aos 6 anos, a preguiça inner, requer muito esmero e estratégias. E não tem nada a ver com aquela preguicinha de não querer acordar cedo sábado ou ir no supermercado domingo a tarde. A vida em menor esforço é para poucos, e bravos, que desenvolvem mecanismos de sobrevivência plena e plana.

Compartilho algumas de minhas sabedorias.
- Farelo de pão, biscoito e similares não sujam o prato. É só impressão, pode usá-lo outras vezes.
- Use o lado convexo da colher. Facilita a lavagem e a colocação de manteiga na frigideira.
- Deixe alguns panfletos no chão do carro. Isso evitará que os caronas descuidados de pé de barro sujem seu tapete.
- Deixe uma fina camada de poeira no carro. Evita arrannhões leves e protege a pintura.
- As roupas amassadas podem se esticar sozinhas. É só deixá-las dobradas num cantinho, e essencial, esquecê-las por um tempo. Elas se auto-passam.
- Ria em "kkk". É surpreendente a quantidade de tempo e tecladas que se economiza em substituição do "hehehe".

1.3.10

amanhã eu nado - I

A natação custa R$ 115, uma hora a menos de sono, banho fora de casa e algum cuidado depilatório. A ioga custa R$ 99, a academia custa R$120, o tênis custa R$ 210 e a granola R$ 12. Tudo bem, a qualidade de vida não tem preço. Que o digam os preguiçosos. E os pãduros.

O lanchinho no mc custa R$ 10, o passatempo recheado custa R$ 3 e um litrão de 2,5 de coca também. A pizza congelada R$ 5, o combo do cinema R$ 7, a cerveja R$ 2 e leite condensado é maravilhoso.

Sério que é um mistério o povo ser gordo?

22.2.10

ó quarta feira

carnaval é uma época meio louca. recifolinda é uma terra meio louca.
e quando junta os dois algumas coisas ficam absolutamente normais.

- a cerveja custa a metade e vem o dobro, e vc se pergunta se alguma vez vai aceitar uma lata pequena novamente na vida;
- 40 graus na sombra;
- num ônibus onde caberiam 40 entram 65;
- bolo de rôlo vira sobremesa e de repente aquele travo de doce que fica detrás da língua pára de arder;
- "clarins", "louvor", "exaltando" fazem parte do vocabulário carnavalesco-cancioneiro-popular;
- cordel do fogo encantado e otto fazem parte do cancioneiro popular;
- sonhar com a melodia da vassourinha;
- pronto. visse? fosse? cantasse?
- falar do tubarão na praia;
- rodas de frevo;
- pitu cola;
- suar ao invés de fazer xixi.

18.1.10

vai, mas depois volta


O elástico estica, estica, e quando é solto volta e pá, machuca a mão.
A grávida tem a barriga que enche, enche, enche e depois esvazia.

Dona Armina, moradora do Recife, tem que calçar o chinelo quando decide se banhar no mar. Não é qualquer um, mas "aqueles ortopédicos, que aguentam a caminhada, é um pouquinho longe, né minha filha". Dona Armina comprou sua casa na beira mar, em 1975, e nessa época não se falava em veneza sumir nem em iceberg derreter.

Ferraz, engenheiro que trabalha numa plataforma de petróleo, ia pro trabalho de lancha em 2001. "Era ruim porque tinha que esperar, né. E a maré me deixava enjoado demais." Quando foi contratado, a plataforma ficava lá longe na linha do horizonte do oceano. Daquele gigante a gente só enxergava um quadradinho, enquanto se distraía na cadeira da praia. Nessa época já se falava no urso polar que ia ficar chorando sozinho no quadradinho do iceberg.

Pois bem, Veneza sumiu, o iceberg derreteu e o urso nadou pro canadá.

Coisa desse padrão de extremos da natureza, que conserta tudo sem pedir opinião. Encheu, encheu, encheu e depois esvaziou, como a barriga da grávida. A água tinha que descer, e desceu que nem quando a gente esvazia a banheira. O mar rodopiou ralo abaixo, e num erro de cálculo ou numa birra mesmo, acabou indo água demais, demoraram muito pra achar a tampa que fica presa naquela correntinha.

Dona Armina, que viu sua varanda do primeiro andar encher de água, agora caminha aproximadamente 15 minutos pra molhar os pés nas ondas. No caminho compra um suco na barraca da areia no meio do caminho, pra não se desidratar enquanto anda.
Ferraz, que por um período pegou a tal da lancha na porta de casa no terceiro quarteirão pra dentro da beira-mar, agora vai de caminhonete pra plataforma e adora não ter mais que tomar plasil antes de ir pro trabalho.