todos os fatos, novidades e destemperamentos que eu queria comentar com mais de 5 pessoas mas tive preguiça de ligar.

19.11.10

arrupio

- Você já reparou que o toque não gasta?
- Hã?
- Assim, não importa quantas vezes eu passe a mão no teu braço, o tato não cansa, você vai sempre sentir. Brinquedo infinito.
- Pois é. mas o tato, mesmo sendo mágico como todos os outros sentidos, é cotidiano, é normal. O toque não cansa do mesmo jeito que você não cansa de ver, nem cansa de ser capaz de ouvir uma música. Já o arrepio, esse que consegue chegar na espinha e transforma diário em especial não tem hora pra acontecer, pra começar nem pra acabar. É extremamente temperamental. O toque não gasta, o arrepio sim.
- E quanto tempo dura teu arrepio?
- Vai saber..

Freou a mão, olhou pros dedos bem de perto, pra pele. Procurou nos vincos das digitais de onde sai e por onde entra isso. Nada. Sem faísca nem fio, nem nada que fosse indicar qual era esse prazo.

8.11.10

Enquanto isso na mesa 7



Na mesa 05 pediram uma salada e um suco. Na mesa 05 pediram duas águas. Na mesa 05 pediram um risoto com frango grelhado. Na mesa 05 pediram sanduíche de filé com emental. Na mesa 05 passaram exatos 60 casais diferentes que nem perceberam o que acontecia na mesa 07.

Ali, 72 horas depois ela já confundia seu braço com o da poltrona e não sabia mais se era o volume do seu cabelo ou a almofada que afofava sua cabeça pendente. A mesinha redonda amontoava algumas xícaras de café, papeis com rascunhos e ideias, bitucas, e ainda dava apoio para os pés entediados. A mesinha do restaurante-café virou uma mistura de criado mudo, escrivaninha e mesa de café da manhã. A fumaça rodeava e ninguém mais se espantava com aquelas presenças: o garçom já estava tão íntimo e familiar que até palpitava nos assuntos como um velho amigo, e atendia pelo apelido.

- Ô, Jô! (A abreviação de Jocelino era confortável e bem vinda.)
- Ôpa, nem precisa dizer, mais dois expressos.

E o ritual se repetia todos os anos pra celebrar o ritmo estranho daquela amizade. Os meses sem contato eram repostos por 72 horas seguidas em um café desses 24 horas. Sempre na mesma mesa, com a mesma poltrona, mesmas dores nas costas e um sentimento de "pra que a gente continua fazendo isso?".
Era necessário. Era como dar corda na cabeça, era desvirar o ponto das linhas do pensamento, desconstruir ideias e rir alto um riso economizado especialmente praquele tipo de ocasião.