todos os fatos, novidades e destemperamentos que eu queria comentar com mais de 5 pessoas mas tive preguiça de ligar.

28.9.09

meias

Os jovens chamam cerveja de cerva, churrasco de xurras, com x, e fim de semana de findi.
Os acadêmicos chamam relações internacionais de rel, nutrição de nut e biologia molecular de biomol.
Os velhos vão no gastro, no oftalmo, hemato.
Os botequeiros bebem ínhas e óscas. Tem o fla, o flu, o inter e o fogo.

Depois que inventaram esse modelo de gente que opera no modo de diálogo monólogo-autônomo-eterno, também nasceu isso de cortar as palavras ao meio. Acho que foi por aí. Quanto mais as pessoas têm necessidade de falar muito sobre tudo e qualquer coisa ocupando a maior quantidade de ouvidos possível, mais elas reduzem as palavras. Amém, o modo prolixo disso tudo é assustador.

Pode ser também um reflexo dessa coisa de consumo consciente. Acompanhe. Quanto menos sílabas menos se respira, quanto menos se respira menos carbono se joga no ar, e isso é igual a menos efeito estufa, menos destruição, menos consumo e no final sobra mais matéria pra gente comprar mais bobagem mais barato no cartão de crédito. Improvável, mas o ser humano é sagaz nessas relações de causa-efeito improváveis.

Ou é só preguiça mesmo. Ou melhor, preguisss...

Bom mesmo vai ser quando esse comedimento de comer só a última sílaba de algumas palavras for largado. Quando a gula fonética dominar. De tão complicado e incompreensível que ficaria, era capaz que as pessoas abandonassem o diálogo e se entendessem mais.

16.9.09

tempo


tenho achado essa nossa relação com o tempo muito estranha.
o tempo deve ser aproveitado à exaustão, repetimos e somos repetidos o dia inteiro que a vida é agora, que o melhor lugar do mundo é agora e que entre passado e futuro o melhor é o presente.

aproveitamos todos os segundos com atividades simultâneas, exaustivas e participamos de todas com a nossa ausência.
(onde a gente está nesse tempo todo mesmo?).
escovar o dente e ver tv. dirigir e ler o restinho do resumo da prova e consertar a perna do óculos. almoçar e conversar e ver o extrato do banco. tomar banho e lavar roupa e ouvir música.

o custo. entendemos que tempo é dinheiro, precificamos o tempo e agora ele tem um custo. o foda é que o preço sobe até onde for e as 24 horas continuam as mesmas.

as imagens. tiramos tanta foto pra permitir que nossos olhos visitem sempre o passado com alguma precisão e nessa tentamos congelar o tempo na nossa cabeça. nisso, acabamos esquecendo de viver as horas, preocupados em capturar o melhor ângulo que, se der tempo, a gente pode voltar a visitar.

o quando. queremos tudo pra ontem. acaba que a gente tenta acelerar tudo na base da porrada: apertamos freneticamente o botão de chamar o elevador, o botão de fechar o sinal, o botão do controle remoto e a buzina do carro, como se a nossa ansiedade corporal fosse abalar algum desses tempos.

o resultado. e mesmo acreditando que desenvolvemos tantos métodos tão eficientes pra aproveitar o tempo; e tendo a fiel incerteza de que de fato vivemos no presente, ainda assim os anos passam mais rápido, os dias voam e nem percebemos as horas, num misterioso e conspiratório movimento do calendário ocidental ou da força da gravidade, vai saber.

10.9.09

ditos populares


Pedra que não rola cria limo.

Ela ouviu isso em algum lugar e ficou cismada. A pedra da gávea olhou pras estrias verdes que já tomavam maior parte de sua base e resolveu seguir o conselho do ditado. Ia dar uma volta. Afinal, como era possível estar a tanto tempo enfeitando um lugar e não senti-lo, numa forma estranha de fazer parte não vivendo. Fora que ela sabia, chegava a seus milhares de ouvidos, o comentário que ecoava era que aquela cidade tem o metro quadrado mais bonito do brasil.

A época não podia ser mais adequada. Era domingo de carnaval, o rio fervia e as janelas dos prédios pressentiam, pela tremedeira nas juntas das esquadrias, que um terremoto chegava. O bondinho de santa carregava um pessoal fantasiado-pulante que berrava que "se essa porra não virar" tão alto que despistava a trepidação dos trilhos. Mas no rio não tem terremoto e no carnaval não tem desgraça.

Pequenos surtos de impulsividade das grandes paisagens naturais. A pedra respirou fundo, uma respirção completa de 3 ciclos, pediu licença pro bonde, soltou a cordinha e prendeu do lado. Pediu desculpa pelo incômodo. Transbordando polidez, desceu um degrau. Sempre com muita educação, evitando destruir mais de 6 carros e 2 casas por vez, por passo, lentamente. Tinha plena consciência de que catástrofe e passeio são coisas muito diferentes.

"Puta que pariu, não sei frear a cambalhota, isso vai dificultar..." - Ela lembrou com seus pedaços de montanha estirados no chão depois de uma rodada. Cada poste levava uma fiação que se emaranhava na coleção de ônibus que também já tinham se enrolado em outras árvores e restos de cidade, continuava se desculpando, muito sem graça, diante dos olhares reprovadores das suas companheiras de espécie que se mantinham imóveis (e pasmas).

Bater perna, seja lá como possa ser aplicado ao caso, era impossível, por mais que o carnaval permitisse tudo. O que passava não era mais o que era pra ser visto e o por vir também já não tinha graça. Aquela cidade com sensação de fantasma, meio tumultuada completamente vazia e um tanto destruída com cara de filme de fim de mundo, não era bem o que tinha em mente. Pedra que rola demais perde o freio.

1) esclarecimentos aos cariocas e conhecedores de geografia: sim, sei que nada disso procede no mapa.
2) consultando no google, a gávea não é uma montanha audaciosa que quis dar um rolê.

1.9.09

carros


Quando eu chego em casa e o porteiro me chama antes de abrir a portaria, é carta registrada, lá vem merda. Ou morreu alguém e o telegrama chegou, ou é o detran. Pelas bênçãos dos céus até hoje sempre foi o detran.

Eu olho pra ela e ela me devolve um olhar meio singelo, como se fosse propaganda de loja de roupa. Avalio qual jeito de abrir vai ser menos ofensivo, se picotando ou se rasgando pela cola. Geralmente picoto, o risco de tirar um pedaço das letras e não entender a mensagem é tentador.

"Você estacionou onde não devia, embaixo da placa de proibido estacionar". Notificação de autuação e defesa prévia. Acho muito engraçado um documento vir com orientações enormes para você discordar dele. A CEB não pergunta o que você acha da medição da energia que ela fez, nem o banco quer saber se vc não acha que gastou tanto assim no cartão de crédito. Enfim, lógico que eu vou discordar. É grátis.

O detran fica longe e, curiosamente, o pátio pra vistoria ocupa todo lugar parável e não tem vagas pra que não vai fazer vistoria. É um lugar onde os funcionários economizam palavras e, curiosamente, se comunicam apenas por ruidos e gestos. Minha defesa ocupou poucas linhas, basicamente "Não era meu carro que estava lá, vocês se enganaram".

A resposta veio em forma de "notificação de penalidade", ou "sim, você estava parada lá, nosso agente anotou". GRANA. Credo, que falta de diálogo. Eles nem querem debater aquela coisa metafísica de onipresença da matéria, energia quântica, que o que você acha que existe na verdade nem é bem o que você vê...